Violência contra a mulher negra custa no mínimo R$ 500 milhões anuais à sociedade brasileira

O número é uma estimativa considerando dados recentes de violência contra a mulher negra e uma análise de custo da violência doméstica em termos de massa salarial perdida realizada pela Universidade Federal do Ceará em parceria com o Instituto Maria da Penha (IMP) em 2017.

Por Mônica Costa

R$ 500 milhões anuais representam uma perda substancial para a economia, quase 7% do PIB Nacional. Entretanto, o mais importante são as vidas que estão por trás destes números:  mulheres negras que estão na base da pirâmide socioeconômica, com os piores salários, vivendo em condições de total vulnerabilidade, sem acesso digno a uma estrutura de segurança, saúde ou educação. Fatores que alimentam o ciclo de violência – física, psicológica, sexual, moral ou patrimonial – e que  geralmente impedem que essas mulheres enxerguem  qualquer condição de sair deste ciclo de abusos por falta de expectativas sobre o próprio  futuro e de seus filhos.

O cálculo foi feito pelo G&P Finanças de forma simples, com base em pesquisas que mostram que, em média, a cada 10 mulheres vítimas de violência, 7 são negras. Estamos no Brasil, portanto informações precisas que possam embasar políticas públicas para mudança deste cenário,  ainda não existem. 

Mas iniciativas independentes como os levantamentos realizados pelo 15º Anuário Brasileiro de Segurança Pública; o monitor da violência desenvolvido pelo G1 e uma importante pesquisa feita em 2017 pela Universidade Federal do Ceará em parceria com o Instituto Maria da Penha (IMP) que analisou as Condições Socioeconômicas e Violência Doméstica e Familiar contra Mulheres (PCSVDFMulher) no Nordeste brasileiro, colaboraram para que chegássemos à tais resultados.

A violência doméstica reflete o comportamento da sociedade

A violência doméstica, em seus diversos níveis, reflete a falta de respeito com a qual a mulher negra convive nos ambientes sociais e de trabalho. A absurda desigualdade salarial e todas as injustiças sociais afetam a autoestima, minam as expectativas de futuro e a convivência com o agressor pode ser tudo que resta.

Em 2020, a cada 10 mulheres mortas por feminicídio – que é o assassinato de mulheres em contextos marcados pela desigualdade de gênero – pelo menos 6 eram negras.   De acordo com o 15º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 835 mulheres negras (o equivalente a 61,8% dos 1.350 casos registrados) foram vítimas de assassinatos dentro de casa no primeiro ano da pandemia. Já levantamento do G1 baseado em dados oficiais dos 26 estados e do Distrito Federal apontou que cerca de 75% das mulheres assassinadas no primeiro semestre do ano passado eram negras.

A morte é o último estágio de um sistema perverso que impede que essas mulheres enxerguem outras opções. Antes de serem assassinadas, elas vivenciaram ciclos de violências –  física, psicológica, sexual, moral ou patrimonial.

Entre março e julho de 2016 a PCSVDFmulher entrevistou 10 mil mulheres nas nove capitais nordestinas e constatou que o nível de absenteísmo é maior entre aquelas que sofrem violência – chegaram a faltar 18 dias a mais que as colegas no período de um ano.  47% perderam de 1 a 3 dias; 22% de 4 a 7 dias; 20% de 8 a 29 dias; e 12% perderam 30 dias ou mais de trabalho.

Considerando o valor do salário-hora em R$8,16 (valores nominais de 2016) e uma jornada de 8 horas de trabalho/dia, a pesquisa mostrou que aproximadamente R$ 64,4 milhões da massa salarial foram perdidos como resultado do absenteísmo causado pela violência doméstica contra as mulheres nas capitais nordestinas.

A análise foi extrapolada para todo o país, com base no resultado da PNAD Contínua para o primeiro trimestre de 2016, obteve-se uma população de 48,7 milhões de mulheres. Entre 15 e 49 anos, aplicando-se os mesmos valores de salário médio e número médio de dias de trabalho perdidos em decorrência da violência doméstica, a pesquisa alcançou o custo total de aproximadamente R$ 975 milhões. (Foi aqui que G&P Finanças fez o recorte, considerando um número conservador de  que pelo menos 50% da população feminina no Brasil sejam mulheres negras – pretas ou pardas)

A pesquisa chama atenção ainda para os custos sociais  que não foram computados no levantamento, e englobam gastos com previdência social e serviços de saúde.

Quem ganha com isso?

Entender como o empoderamento financeiro atravessa essas situações é de fundamental importância para toda a sociedade. Não há ganhadores neste modelo injusto, misógino e racista de sistema econômico.

A PCSVDFmulher também mostra que, enquanto a duração média do emprego para as mulheres que não sofrem violência é de 74,82 meses, a duração média no emprego para as que sofrem violência é de 58,59 meses, uma redução de 22%. E relata ainda que os menores salários se encontram no grupo de mulheres negras que são vítimas de violência e, mesmo as mulheres brancas que sofrem violência doméstica recebem um salário maior que as mulheres negras que não são vitimadas por esse tipo de violência.

As mulheres negras compõem a maioria dos trabalhadores que vivem com rendas mensais de até  R$ 1.100,00. Os salários de miséria que são entregues à essas mulheres disparam um ciclo de prejuízos que aprofundam as desigualdades, a ponto de, mesmo em um cenário tão devastador, as mulheres brancas ainda estão em condições melhores que as negras.  

Outro dado assustador diz respeito à violência patrimonial, aspecto pouco debatido quando se trata de violência e que é descrita pela Lei Maria da Penha como “qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades”.

Foram mais de 3 mil denúncias de crimes contra a segurança financeira com vítimas do gênero feminino em 2020. O abuso acontece em todas as classes sociais, mas a população que mais sofre é a parcela de baixa renda, especialmente as mulheres negras, que ficam sem dinheiro para a alimentação da família e torna ainda mais difícil se desvencilhar de uma relação abusiva. As denúncias apontam por exemplo roubo do auxílio emergencial por parte de companheiros ou ex-companheiros.

O tema é foco do debate no painel “ Violência contra a mulher e impacto Financeiro, porque este problema é de todos?” do qual a autora participou como palestrante no 10º Forum RME  no dia 18 de novembro na capital paulista.

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